sábado, 20 de agosto de 2011

Boca, por favor, Mickey Mouse


Aconteceu esta tarde na FNAC Pinheiros. A bruxinha precisava de palavras mágicas. E aí pedi para as crianças me ajudarem. A primeira palavra mágica foi sugerida por Matheus: "boca", ele disse, bem baixinho e temeroso. Sim, boca, disse eu, é da boca que saem as palavras que podem vir de nossa alma. A segunda, dita pela linda Maria Eduarda, foi "por favor", siiiim, quer coisa mais mágica do que a gentileza de pedir algo com delicadeza e educação? E a terceira, meio zombateira, meio fantasia, foi lançada pelo Luca "Mickey Mouse". Pronto!!! estava montada a mais mágica das frases da tarde, e a bruxinha gritou "Boca, por favor, Mickey Mouse!!!", e a princesa foi salva. 
Que alegria contar histórias assim... 

terça-feira, 16 de agosto de 2011

O pavão do abre e fecha

A insegurança e o complexo provocam uma paralisia social difícil de ser combatida. E, às vezes, acontece de forma tão subliminar, quase imperceptível. E quando a gente vê, já está com aquele medo irracional de fazer qualquer coisa. Gosto dessa história, porque ela trata disso, de forma divertida e inteligente. 


O pavão do abre-e-fecha (Ana Maria Machado)
Um pavão se admirava na beira do lago, se olhava na água e se perguntava:
- Sou feio? Sou bonito?
Quando via a cauda aberta em leque, toda verde, roxa e azul-brilhante, se achava lindo e elegante.
Mas quando olhava para os pés e seu andar desajeitado, ficava até desanimado. E se escondia envergonhado.
Um dia, ele recebeu um convite para uma festa no céu, que devia ser ainda mais bonita que a tal do sapo. Abriu e perguntou: - Será que isso é bom? Será que é ruim? Sempre que precisava ter uma opinião, ficava assim.
- Claro que é bom – disse o pombo-correio. 
- Festa é sempre bom.
E ele achou que era bom.
Abriu a cauda e ficou se admirando. Depois, ensaiou uns passos de dança. E ouviu as gargalhadas de um tangará dançarino que, bem ao seu lado, treinava para a festança:
- Que bicho mais desajeitado! Este baile vai ser engraçado....
Ficou todo sem graça e se fechou.
Aí chegou um pardal e assim falou:
- Que tristeza é essa ?
- É que eu danço esquisito...
- E quem vai reparar nisso num bicho tão bonito?
E o pavão, elogiado, abriu a cauda com pena pra todo lado.
Mas, de mau jeito, acabou perdendo uma, lá no canto direito.
Foi uma tristeza danada. E lá ficou de novo, todo encolhido, de cara amarrada.
- Por que todo esse aborrecimento? – Perguntou o periquito, que passava nesse momento.
- Perdi uma pena e isso é ruim.
- Ruim uma ova. É sinal de que vai ganhar outra bem nova.
Com isso, o pavão se animou e abriu seu leque.
Aí chegou o bem-te-vi e riu muito engraçado:
- Olha o pavão de rabo banguela!
Já se sabe: o pavão encolheu a cauda, tratou de sumir com ela.
E ficou assim a tarde toda, abrindo e fechando, abrindo e fechando, mudando de idéia com cada bicho que ia encontrando.
No fim do dia estava suado, cansado, de língua de fora, exausto de abrir e fechar a toda hora.
Resolveu: não ia mais. Mas também não ficava ali para todo mundo rir dele. Viu uma moita e se escondeu atrás.
Aí ouviu uma conversa do outro lado:
- Nem agüento mais esperar o baile. Que festança vai ser essa...
- É mesmo! Comida boa, água fresquinha, muitos amigos e música à beça....
O pavão foi até lá, ver quem tinha tanta animação.
Não era pássaro colorido, nem dançarino, nem de boa canção.
Era um casal de urubus.
Foi a vez do pavão rir deles, abrindo suas penas verdes e azuis.
- Vocês não se envergonham? Feios assim e cheirando ruim? Quando vocês dançarem, todo mundo vai sair.
Vai nada... - respondeu o urubu.- Todo mundo está mais ocupado, tratando de comer e beber, de cantar e dançar, de se ver e conversar.
E se alguém quiser, pode rir.
Não é por isso que vou deixar de me divertir.
E a urubua completou:
- E tem mais: não tem essa de feio e fedorento, não, ouviu?
Urubu é tão bonito, da cor do jamelão e do jaguar, da jabuticaba e da noite sem luar....
E quando o pavão abria o bico e se espantava, ela continuou:
- Você é que é feioso, com esse rabo escandaloso, abrindo e fechando que nem gaveta. E nem ao menos tem a cor preta.
Todo esse verde, vermelho e azul, cheio de bolinha.....
Mas a última coisa que disse foi com um sorriso manhoso e olhar dengoso:
- O que vale é que você tem uns pés que são mesmo uma gracinha...... E depois, isso de bonito ou feio é só questão de recheio.
Aí o pavão teve que rir.
E depois que os dois saíram voando, ele ficou pensando:
- Feiúra de lixo ou beleza de artista não depende do bicho, mas do ponto de vista. Cada um é diferente e o que importa é mesmo a gente.
E lá foi ele animadíssimo para uma festa bem divertida.
Ainda bem. Se não, ficava naquele abre-e-fecha toda vida.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A Galinha Galinda

Escrevi esta história há muito tempo. E sou apaixonada por ela, poque me dá uma dimensão fantástica do amor que podemos sentir por filhos que não são nossos. Não tenho dúvidas de nossa capacidade de amar. Só tenho duvidas quanto à nossa capacidade de saber disso. Bom, aqui vai a experiência da galinha Galinda.

Galinda e seus filhotes

 Galinda era uma galinha muito brava. Seus filhinhos gostavam muito dela, mas morriam de medo quando ela ficava brava com eles, porque ela punha todos de castigo.  Numa manhã, a galinha Galinda levou um tropeção e caiu de cabeça em uma pedra. Seus filhinhos ficaram muito preocupados, porque ela desmaiou. Mas quando acordou, com um enorme galo roxo na testa (sim, galinha tem uma testa pequenina, entre a cabeça e o bico) eles pensaram no quanto ela ficaria muito brava pelo seu próprio tombo. Então eles se esconderam. Galinda levantou, olhou ao redor que não sabia o que tinha acontecido. As amigas do galinheiro vieram perguntar se ela estava bem, mas ela não reconheceu ninguém. É que a Galinda tinha perdido a memória. Na verdade, ela nem sabia mais que era uma galinha, e só se lembrava de que tinha quatro filhos, mas nem sabia mais como eles eram...

Pobre Galinda! Saiu procurando seus filhinhos. “Você viu meus filhos por aí?”, perguntava ela, mas ninguém sabia onde eles estavam, porque eles tinham ido para um esconderijo muito escondido mesmo. Até que ela encontrou um gatinho, muito bebezinho, miando muito. “Você viu meus filhinhos por aí?” não, disse ele, mas estou procurando a minha mamãe. Por acaso, você é minha mamãe? Perguntou o gatinho, querendo um colinho. Ela pensou um pouco e disse: se vc está procurando a sua mamãe e eu estou procurando meu filhinho, é porque eu sou sua mamãe.  O gatinho ficou muito feliz. E ela disse: mas agora precisamos procurar seus outros irmãozinhos.

Então os dois saíram andando, o gatinho saltitando à frente e a galinha, que andava mais devagar, logo atrás. No caminho, havia um cachorrinho, muito triste. Porque vc está triste? perguntou o gatinho. Porque não sei onde está minha mãe, respondeu ele, latindo de mansinho. O gatinho logo disse: Não se preocupe, ela vem vindo aí atrás. Eu também tinha me perdido dela, mas logo ela me achou. Assim que Galinda se aproximou, o gatinho disse: veja mamãe, ele também está procurando por você. Se é assim, é porque ele é meu irmãozinho, miou feliz. A galinha olhou, viu que eles eram um pouquinho diferentes, mas como coração de mãe entende todas as diferenças dos seus filhos, ela rapidamente respondeu. “puxa, que bom, então vamos procurar os outros, que também não devem estar longe”

Lá se foram os três buscando o resto da família. Não demorou muito para o cachorrinho ver na estrada um pequeno coelho. Veja mamãe, tem alguém ali. Não será meu outro irmãozinho?  “é possível”, disse a mamãe Galinda. Vcs que andam mais rápido, cheguem até ele e vejam se ele está nos procurando. O gatinho e o cachorrinho correram e o coelhinho, que estava chorando muito, nem se assustou quando eles chegaram perto. “Porque vc está chorando?. Não sei onde está minha família. Eu dormi atrás daquela árvore e eles sumiram. Será que se esqueceram de mim?” Não, é que a nossa mamãe foi nos buscar primeiro, veja, ela já vem vindo aí atrás”. O coelhinho, que era muito bebezinho, ficou tão feliz que nem percebeu o quanto ele não se parecia com nenhum deles. “Ah, que bom, agora que só falta mais um dos meus filhinhos, logo estaremos todos em casa”, pensou Galinda, percebendo que seu coraçãozinho de galinha e de mãe estava começando a ficar mais tranqüilo.

Antes que anoitecesse, Galinda e seus três filhotes encontraram outro animalzinho. Era um macaquinho que tinha caído da caravana de um circo. Como ninguém percebeu a queda, ele ficou perdido na estrada. “Veja mamãe, nosso outro irmãozinho logo ali”, disse o coelhinho. Correram para lá, abraçando e fazendo festa. O macaquinho, que adora fazer macaquices com todos, adorou seus novos irmãos. Juntos, os cinco voltaram felizes para o galinheiro da fazenda.

Ao chegarem lá, as amigas de Galinda correram para ela para saber por onde ela havia andando o dia inteiro. E contaram também que seus pintinhos, arrependidos de terem se escondido, estavam muito preocupados e chorando pela sua falta. Galinda estranhou muito aquela conversa, porque afinal de contas estava com seus quatro filhotinhos ali. Quando as companheiras de Galinda viram os animais, tomaram um susto. Pensaram que ela tinha enlouquecido e, por mais que tentassem convencê-la de que eles nem aves eram, não conseguiram fazer com que ela mudasse de idéia. E Galinda ficou brava com elas. “Como assim não são meus filhos? Eu tenho tanto amor por eles como eles têm por mim, é claro que são meus filhos”. Então as outras galinhas trouxeram os pintinhos, verdadeiros filhos de Galinda, para falar com ela e ver se ela recuperava de vez a memória. E quando ela os viu, sabem o que aconteceu?

Ela não recuperou a memória não. Mas descobriu que o seu coração de mãe era imenso. E assim que chegou perto dos pintinhos pensou, “pobrezinhos, estão sem mamãe. Então eu posso cuidar deles”. E assim fez...

De maneira que, se você for hoje lá naquela fazenda, conhecerá a enorme família da Galinda: quatro pintinhos, um gato, um cachorro, um coelho e um macaco.
Sim, todos são amigos e se amam como verdadeiros irmãos.
Sim, todos dormem no galinheiro, juntinhos, sem brigas.
E, sim, depois de algum tempo Galinda recuperou a memória. Mas nem por isso pensou que foi uma loucura criar animais tão diferentes como filhos.
 Afinal, coração de mãe é bem maior que a cabeça de uma galinha. 

domingo, 7 de agosto de 2011

Alice, o Coelho e o Cordel.



No último sábado, estive no Programa "Que História é Essa". Foi lindo, Elaine Gomes comemorou um ano de programa e eu me senti honrada de ter sido convidada para contar histórias lá. E não foi só por conta da comemoração de um ano e do carinhoso convite de Elaine Gomes. A honra também foi por ter dividido minhas histórias com o cordelista João Gomes de Sá. Poeta dos melhores, folclorista e acadêmico, João encantou a todos com suas histórias e seu conhecimento de uma das mais belas e criativas formas de se contar histórias: o cordel. João Gomes de Sá é responsável por colocar nesta divertida forma histórias como "O Corcunda de Notre Dame" e "Alice no País das Maravilhas". Atualmente, esta preparando "A Flauta Mágica". Não é pouca coisa. É uma arte que deve ser vista, revista, contada e recontada. E, só para dar o gostinho de quero mais, abaixo uma quadrinha de Alice.

Nas veredas do cordel, 
Sigo as mais bonitas trilhas, 
Vou compondo minha história 
Em canções e redondilhas. 
E, sem cometer tolice, 
Narro a história de Alice 
No País das Maravilhas.

E quem quiser saber mais um pouco do João assista o programa "Que História é Essa", do sábado, no www.alltv.com.br 


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O galo ciscador

Esta é a história do galo ciscador, que descobriu o quanto é bom ciscar e, por isso, teve que ir cantar em outra freguesia.  Mas brigou pelo direito de fazer o que gostava, o que queria. E quantas vezes isso não acontece?  Pois é, mas dá para reagir. E é aí que a história fica boa.  O autor é Túlio Bulcão.

O Galo Ciscador

Era uma vez um galo muito lindo chamado Chico. Vivia num galinheiro, desses de antigamente, com lago, poleiro e muita água corrente. O galo tinha uma bela crista vermelha caída para o lado. Penas brilhantes e coloridas.
Chico era de uma simplicidade cativante, gostava muito de cantar. Só que não cantava cocoricó, cocoricó, como todos os galos. Ele compunha de tudo um pouco e cantava acompanhado de violão. Valsa, marchinha, tango, roque, bolero, baião, xote, maxixe, xaxado. Mas seu forte mesmo era choro samba-canção.
Todos gostavam de Chico: patos, patas, marrecos, marrecas, perus, peras, galos, galinhas, pintos, gansos, gansas... Todos.
Até os outros animais que se aproximavam do galinheiro: cabrito, cabrita, cavalo, égua, boi, vaca, bezerro, porco, porca, carneiro, ovelha, pombo, pomba... Todos.
Mesmo os passarinhos vinham todo dia, todo dia, todo dia, ouvi-lo cantar: bem-te-vi, sanhaço, rolinha, sabiá, joão-de-barro, pardal, tico-tico, araponga, andorinha, patativa, bicudo, cardeal... Todos.
E Chico não gostava de viver preso, obrigado a comer milho e ração. E, certo dia... Descobriu ! Podia ciscar. Ciscar?!?!?! É, escavava e afofava a terra, com suas unhas à procura de outros alimentos. Aranhas, besouros, minhocas, grilos, joaninhas, pulgões, lesmas, lacraias, lagartas, raízes, sementes, brotinhos e tudo mais o que encontrava. Logo ficou sabendo: eram deliciosos.
No começo, todos estranharam o cisca-cisca do Chico. Teve muito bate-boca e muito bate-bico. Mas, aos poucos, foram aprendendo a ciscar e gostando muito. Virou moda ! Era todo mundo lá no cisca, que cisca, que cisca, que cisca.
O dono do galinheiro não gostou. Eita homem ranzinza, sempre resmungando. Implicou com o Chico e com todos os seus amigos... “Este galinheiro é meu !”, gritava o homem ranzinza, sempre brigando, berrando, gritando.
E proibiu tudo:   
Artigo primeiro – fica proibido cantar.
Artigo sétimo – fica proibido tocar.
Artigo décimo – fica proibido ciscar.
Chico ficou triste, aborrecido. Mas não desistiu. Resolveu dar um tempo. Ir embora do galinheiro, cantar em outro terreiro.
Trocava de galinheiro, de galinheiro,.. E tocava violão, cantava a canção e compunha. Nas horas vagas, ciscava, ciscava, ciscava...
Pouco a pouco, em todos os galinheiros, todo mundo percebia o direito de tocar o instrumento que queria. Pouco a pouco, a alegria de cantar a música todo dia. E, finalmente, o prazer de ciscar.
E o homem ranzinza, que pensava ser o dono, teve de engolir toda a batucada, toda a cantoria, toda a ciscação.
E foi para bem longe, de bico calado.