segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A chuva hoje

Estou trabalhando com o tema chuva há algum tempo. Os pingos vêm e vão, num brincar constante da magia que essa manifestação da natureza nos dá. E aí, hoje, somos todos presenteados com esse belo poema de meu amigo, grande escritor, poeta e educador, Celso Sisto. Pedi para ele, e Celso carinhosamente me permitiu a sua publicação aqui no blog. Deleitem-se.

























Hoje
A chuva está repleta 
de milagres
faz brotar a cor
no jardim do menino
alimenta o riachinho
dos olhos 
na hora alegre
e na hora incerta
e liberta as libélulas
que céleres 
logo 
esvoaçam 
para salpicar 
de asas
os banhos
coletivos.
A melhor brincadeira
tem estado líquido 
e todo menino
tem sempre
um pacto com
a transparência 
das águas.

Celso Sisto 
13 de janeiro de 2014
Ilustração de Vickie Wade

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Viver sem medo

A construção se dá a cada dia. Mas o início de ano sempre nos traz aquela percepção de que é hora de pensar em coisas novas: novos projetos, novas ideias, novas atitudes. Para mim, o melhor é a possibilidade de novos planos. E fazer planos sem medo, sem medo de ousar, sem medo de errar, de dar o primeiro passo, de ir ou de ficar. Jogar o medo fora, não deixá-lo bater à sua porta. Esse é o segredo. Por isso, busquei essa linda história, coletada por Rosane Pamplona e publicada no livro Novas Histórias Antigas, da Editora Brinque-Book.

O homem que venceu o medo
João Oleiro era um homem muito medroso. Morria de medo de doenças, de ladrões e até de fantasmas. Ele tinha muitas qualidades e gostava de trabalhar, fazendo com perfeição belos objetos de barro, mas paralisava-o o medo de não vender o que produzisse, o medo de ser roubado, o medo de ficar na miséria.
De tanto medo, quase não saía de casa e evitava amigos. Seus negócios, que já não iam muito bem, piores ficaram quando um outro oleiro instalou-se na cidade e roubou-lhe a pequena freguesia que lhe restava. João começou a fazer dívidas e aos poucos os fantasmas que temia passaram a tomar corpo na forma de credores que batiam à sua porta e o ameaçavam de prisão.
Desesperado, não vendo saída para os seus problemas, João Oleiro resolveu matar-se... “Por que não?”, pensou ele. “A vida para mim não vale mais nada. Não tenho amigos, não tenho fregueses, não tenho dinheiro nem para comer. Está resolvido: vou me matar.”
Assim que decidiu isso, João parou de se atormentar. Com a calma advinda do irremediável, ponderou que, já que aquele seria seu último ato, deveria fazê-lo bem feito. Como não fosse nada preguiçoso, resolveu primeiro fabricar um bom caixão para si mesmo. Lembrou-se de ter visto um velho barco abandonado na beira do rio e, à noite, tomando cuidado para não ser visto, foi buscá-lo. Em casa, cortou a madeira e passou o dia todo lixando, martelando, pintando. Já era tarde quando o caixão ficou pronto; muito bem acabado, parecia obra de um mestre.
Satisfeito consigo mesmo, João resolveu comemorar. Esquecendo que já ninguém lhe vendia fiado, entrou na taberna e pediu, todo cheio de si, uma caneca de cerveja. O taberneiro, diante daquela pose confiante, não ousou recusar, porém ficou intrigado: um homem naquela situação miserável rindo à toa? “Ali tem coisa”, pensou. Um dos empregados da taberna lembrou-se de tê-lo visto em atitude suspeita lá na beira do rio. – Talvez tenha encontrado algum tesouro – arriscou ele ao patrão.
João bebeu sua cerveja e voltou para casa. Muito contente, dormiu uma noite  cheia de sonhos agradáveis. Na manhã seguinte, acordou sentindo-se muito bem. Abriu as janelas de sua casa, deixou o sol entrar e decidiu que poderia conceder-se três dias de prazo antes de matar-se, pois queria aproveitar aquela sensação de bem-estar. E como o seu coração estivesse leve, pegou um pouco de barro e pôs-se a modelar tudo o que lhe vinha à imaginação, sem medo de censuras.
Trabalhou com gosto e no fim do dia admirou com orgulho a sua produção: vasos e potes lindos, originais, verdadeiras obras-primas.
Satisfeito, novamente João foi à cidade comemorar, mal cabendo em si de felicidade. Seus amigos, estranhando aquela atitude, resolveram, no dia seguinte, dar uma espiada em sua casa. E lá dentro viram João, que trabalhava assobiando, rodeado de belíssimas peças de barro. Um dos amigos resolveu entrar e oferecer um bom dinheiro por um dos vasos. Outros logo o imitaram, e assim ele foi vendendo tudo o que produzia. 
 No fim daqueles três dias, João resolveu se permitir mais um prazo. “Afinal”, pensou, “sou eu quem vai morrer, posso marcar o dia que quiser. Além disso, estou cheio de encomendas e não quero decepcionar os amigos. Mais uma semana seria bom”, determinou e continuou trabalhando feliz, criando arrojadas peças . Não demorou que seus objetos de barro ganhassem fama. O outro oleiro, seu concorrente, não conseguiu segurar a freguesia: todos só falavam nos inigualáveis vasos de João.
 De bem com a vida, é claro que João não pensou mais em morrer. Adiou indefinidamente aquela ideia e tratou de aproveitar sua sorte. Foi ficando rico, pagou suas dívidas, casou-se com uma boa moça e construiu para eles uma bela casa. No fundo da casa, num quartinho fechado a chave, guardou o caixão que fabricara naquele dia de desespero. A todos dizia que ali estava encerrado o segredo de sua prosperidade.
 Só muitos anos mais tarde, depois de uma longa vida venturosa, morreu João Oleiro. Abrindo o quarto secreto, seus netos descobriram que o único segredo da felicidade daquele homem foi ter sabido um dia enterrar o seu medo.