Como os campos
Marina Colasanti
Um sabio era professor de alguns jovens estudiosos. Um dia, com a chegada do outono, eles foram perguntar ao professor que roupa deveriam usar com a proximidade do frio. “Vistam-se como os campos”, respondeu o sabio. Os alunos entao subiram a uma colina e durante dias olharam os campos. Quando desceram, foram para a cidade, onde compraram tecidos de muitas cores e fios. Sob o olhar do sabio, abriram os rolos de seda, cortaram quadrados de veludo, emendaram com tiras de cetim. Aos poucos, foram criando longas vestes como os campos arados, com o vivo verde da primavera. Entremearam fios de ouro no amarelo dos trigais, fios de prata no alagado das chuvas e chegaram ao branco brilhante da neve,
As vestes suntuosas estendiam-se como mantos.
O sabio a tudo assistia. E nada falava.
Apenas um jovem n’ao havia feito sua roupa. Esperava que o algod’ao estivesse em flor para colhe-lo. E quando teve os tufos, os fiou. E quando teve os fios, os teceu. Depois vestiu sua roupa branca e foi para o campo trabalhar. Arou e plantou. Muitas e muitas vezes sujou-se de terra. Manchou-se com o sumo das frutas e da seiva das plantas, A roupa j’a n’ao era branca, embora ele a lavassse no rio. Plantou e colheu. A roupa rasgou-se, o tecido puiu-se. O jovem emendou os ragos com fios de la, costurou e remendou onde o tecido cedia. E quando a neve veio, prendeu em sua roupa mangas mais grossas para se aquecer.
Agora, a roupa do jovem era de tantos pedacos que ninguem mais poderia dizer como tinha come’cado. E estando ele um dia no campo, com os p’es afundados na terra para receber a primavera, um p’assaro o confundiu com o campo e veio pousar em seu ombro. Ciscou de leve entre os fios, sacudiu as penas. Depois levantou a cabe’ca e come’cou a cantar.
Ao longe, o sabio, que a tudo olhava, sorriu.