O tema ancestralidade ainda ferve em
minhas veias. Minha voz não é minha voz, é a voz de minha ancestralidade. Ela
está em mim e me faz contar histórias. Histórias de meus antepassados, histórias
do meu sangue e de minha alma. Acredito piamente nisso. A analista junguiana,
escritora e contadora de histórias, Clarissa Pinkola Estés (1992), em seu livro
Mulheres que correm como lobos, coloca-se
como “guardiã das histórias”, dadas a sua origem familiar composta por uma
longa linhagem de contadoras e a infância cercada por pessoas oriundas de
vários países da Europa e do México. Segundo ela, os componentes dessa família
de laços de sangue e agregados não tinham instrução acadêmica alguma, mas
carregavam uma extrema sabedoria e uma valiosa tradição quase que exclusivamente
oral. Também acredito profundamente nisso. E é Clarissa quem nos dá uma das
mais belas imagens sobre a ancestralidade das histórias nesse trecho do livro:
Uma vez sonhei que estava contando
histórias e sentia alguém dando tapinhas no meu pé para me incentivar. Olhei
para baixo e vi que estava em pé nos ombros de uma velha que segurava meus
tornozelos e sorria para mim. “Não, não”, disse-lhe eu. “Venha subir nos meus
ombros, já que a senhora é velha e eu sou nova”. “Nada disso”, insistiu ela. “É
assim que deve ser”. Percebi que ela também estava em pé nos ombros de uma
mulher ainda mais velha do que ela, que estava nos ombros de uma mulher usando
manto, que estava nos ombros de outra criatura, que estava nos ombros...
Acreditei no que disse a velha do sonho a respeito do como as coisas devem ser.
A energia para contar histórias vem daquelas que já se foram. Contar ou ouvir
histórias deriva sua energia de uma altíssima coluna de seres humanos
interligados através do tempo e do espaço, sofisticadamente trajados com
farrapos, mantos ou com a nudez de sua época, e repletos a ponto de
transbordarem de vida ainda sendo vivida. Se existe uma única fonte e um
espírito das histórias ela está nessa longa corrente de seres humanos.
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