sábado, 23 de junho de 2012

Clarissa e a ancestralidade


O tema ancestralidade ainda ferve em minhas veias. Minha voz não é minha voz, é a voz de minha ancestralidade. Ela está em mim e me faz contar histórias. Histórias de meus antepassados, histórias do meu sangue e de minha alma. Acredito piamente nisso. A analista junguiana, escritora e contadora de histórias, Clarissa Pinkola Estés (1992), em seu livro Mulheres que correm como lobos, coloca-se como “guardiã das histórias”, dadas a sua origem familiar composta por uma longa linhagem de contadoras e a infância cercada por pessoas oriundas de vários países da Europa e do México. Segundo ela, os componentes dessa família de laços de sangue e agregados não tinham instrução acadêmica alguma, mas carregavam uma extrema sabedoria e uma valiosa tradição quase que exclusivamente oral. Também acredito profundamente nisso. E é Clarissa quem nos dá uma das mais belas imagens sobre a ancestralidade das histórias nesse trecho do livro:

Uma vez sonhei que estava contando histórias e sentia alguém dando tapinhas no meu pé para me incentivar. Olhei para baixo e vi que estava em pé nos ombros de uma velha que segurava meus tornozelos e sorria para mim. “Não, não”, disse-lhe eu. “Venha subir nos meus ombros, já que a senhora é velha e eu sou nova”. “Nada disso”, insistiu ela. “É assim que deve ser”. Percebi que ela também estava em pé nos ombros de uma mulher ainda mais velha do que ela, que estava nos ombros de uma mulher usando manto, que estava nos ombros de outra criatura, que estava nos ombros... Acreditei no que disse a velha do sonho a respeito do como as coisas devem ser. A energia para contar histórias vem daquelas que já se foram. Contar ou ouvir histórias deriva sua energia de uma altíssima coluna de seres humanos interligados através do tempo e do espaço, sofisticadamente trajados com farrapos, mantos ou com a nudez de sua época, e repletos a ponto de transbordarem de vida ainda sendo vivida. Se existe uma única fonte e um espírito das histórias ela está nessa longa corrente de seres humanos.

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