terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Porque os contadores de histórias têm boa memória

Adoro dar cursos de contação de histórias. Sempre conheço pessoas maravilhosas, descubro novas amizades, aprendo novas histórias e faço uma troca maravilhosa de saberes e viveres. No curso que terminou na semana passada no Senac não foi diferente. Histórias lindas contadas por pessoas lindas. Muita diversão e muita emoção também. Um círculo de amizade se estabeleceu que, com certeza, dará muitos frutos. Sinto-me muito grata por ter tido a oportunidade de conhecer Luiz, Cintia Cesar, Cintia Rocha, Tuani, Débora, Stella, Luciana, Zeza Lima, Camila, Graciela, Gisele, Cidinha, Nana Augusta e Tábata. E, como faço, sempre, lhes entreguei uma história. Uma que fala dos primórdios da arte de contar histórias - um conto da tradição oral africana, que nos traz a singeleza e também a força do universo simbólico da África Ocidental. Puro encantamento, que reproduzo abaixo.   É conhecida pelo título acima e também pelo nome de O Marabu escrivão.

       Conta-se que na África Ocidental não havia histórias. E, por isso, não havia também sabedoria. O mundo era muito triste. Assim, o primeiro contador de histórias foi também um buscador de histórias, que saiu pelo mundo afora acompanhado de um pássaro-escrivão: o marabu.  Esse é o único pássaro que sabe qual das penas do seu traseiro deve ser arrancada para que, com ela, se possa escrever – o que faz dele um pássaro especial.  Andaram pelo mato afora, pelas savanas e ao longo dos rios para escutar os ventos, as pedras, as águas, as árvores e os animais. E encontraram muitas pessoas até então desconhecidas, que iam lhe contando as suas histórias.

     Munido da pena arrancada de seu traseiro e utilizando uma tinta feita de água, pó de carvão e goma arábica, o marabu-escrivão anotava cuidadosamente todas as histórias que escutava. E o buscador e contador de histórias caminhava e pensava “não vou conseguir me lembrar de todas essas histórias”. Mas o marabu continuava a ouvir e a escrever.
     Quando, depois de muito tempo, voltaram para casa, o buscador de histórias obteve a solução para aquilo que o preocupava. Seguindo o conselho do marabu, encheu de água uma grande cabaça e nela mergulhou todas as histórias escritas.  Durante toda a noite, naquela cabaça – que na África  chama-se canari – as palavras escritas com tinta se dissolveram na água. No dia seguinte, o marabu mandou que o contador de histórias bebesse todo o conteúdo daquela canari.
     Assim, todas as histórias bebidas tornaram-se histórias sabidas.
     E se você, por acaso, precisar beber uma história, escute o meu conselho: beba tudo. Não deixe nada no fundo do copo, porque isso poderia provocar um branco na sua memória. 

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