sábado, 26 de janeiro de 2013

O aprendizado ancestral

Hoje posto um conto português muito antigo e bonito. É bonito como a mulher aprende a cuidar da casa – uma bela metáfora para o aprender a cuidar de sua própria vida, sem medo. A ajuda e o conselho de outra mulher, mais velha, mais experiente, também são metafóricos. E a mensagem é clara: temos força, temos fadas, temos anõezinhos e uma Tia Verde-Água em nossa própria alma, que nos estimulam, que não nos deixam esmorecer, mesmo que aparentemente não saibamos como fazer ou o que fazer.

Os dez anõezinhos da Tia Verde-Água

Era uma mulher casada, mas que se dava muito mal com o marido, porque não trabalhava nem tinha ordem no governo da casa; começava uma coisa e logo passava para outra, tudo ficava em meio, de sorte que quando o marido vinha para casa nem tinha o jantar feito, e à noite nem água para os pés nem a cama arranjada. As coisas foram assim, ficando mal e o casamento a acabar-se. A mulher, que andava triste, tinha uma vizinha a quem se foi queixar, a qual era velha e se dizia que as fadas a ajudavam. Chamavam-lhe a Tia Verde-Água:
– Ai, Tia! vossemecê é que me podia valer nesta aflição.
– Pois sim, filha; eu tenho dez anõezinhos muito arranjadores, e mando-tos para tua casa para te ajudarem.
E a velha começou a explicar-lhe o que devia fazer para que os dez anõezinhos a ajudassem; que quando pela manhã se levantasse fizesse logo a cama, em seguida acendesse o lume, depois enchesse o cântaro de água, varresse a casa, aponteasse a roupa, e no intervalo em que cozinhasse o jantar fosse dobando as suas meadas, até o marido chegar. Foi-lhe assim indicando o que havia de fazer, que em tudo isto seria ajudada sem ela o sentir pelos dez anõezinhos. A mulher assim o fez, e se bem o fez melhor lhe saiu. Logo à boca da noite foi à casa da Tia Verde-Água agradecer-lhe o ter-lhe mandado os dez anõezinhos, que ela não viu nem sentiu, mas porque o trabalho correu-lhe como por encanto. Foram-se assim passando as coisas, e o marido estava pasmado por ver a mulher tornar-se tão arranjadeira e limposa. Ao fim de oito dias ele não se teve que não lhe dissesse como ela estava outra mulher, e que assim viveriam como Deus com os anjos. A mulher contente por se ver agora feliz, vai à casa da Tia Verde-Água agradecer-lhe o favor que lhe fez:
– Ai, minha Tia, os seus dez anõezinhos fizeram-me um servição; trago agora tudo arranjado. O que lhe eu pedia agora é que mos deixasse lá ficar.
A velha respondeu-lhe:
– Deixo, deixo. Pois tu ainda não viste os dez anõezinhos?
– Ainda não; o que eu queria era vê-los.
– Então, se tu queres vê-los olha para as tuas mãos, e os teus dedos é que são os dez anõezinhos.
A mulher compreendeu a coisa, e foi para casa satisfeita consigo por saber como é que se faz luzir a vida.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Mulheres corajosas


Adoro essa história, que trata da maneira como mulheres de um reino encontraram para acabar com as guerras declaradas por seu insano rei.  Atos suaves, generosos, porém extremamente corajosos, decididos e certeiros. A meu ver, como devemos levar a vida. Só poderia ser de Marina Colasanti.

Naquela cidade

Era só o Sol lançar o seu primeiro raio por cima dos muros e abriam-se as portas daquela cidade, deixando sair homens armados.  Apenas um punhado de cada vez, sem couraça ou elmo, e a pé. Mas comandados por cavaleiros reluzentes e suficientes para tomar um castelo, conquistar uma terra. Nenhum deles estava de volta à tardinha, quando as portas eram fechadas. Outros partiriam na manhã seguinte.  
Assim é que os homens daquela cidade nunca sabiam se terminariam seu serviço: o carpinteiro talvez deixasse o seu lenho por aplainar, se os homens do rei viessem buscá-lo, trocando sua plaina por uma espada. Talvez queimasse o pão no forno daquela cidade, se requisitassem o padeiro, roçando-lhe seu avental pelo escudo. A jarra era abandonada no torno, o tecido esquecido no tear, e as mós do moinho rodavam, rodavam, sem que nenhum grão lhes caíssem entre os dentes, enquanto o oleiro, o tecelão, o moleiro saíam pela grande porta, marchando no mesmo passo.

Mas o rei, ah! O rei nunca parava de assinar. Com sua pena de ganso, seu sinete de ouro, assinava e lacrava declarações de guerra, alianças, tratados, sem que jamais alguém viesse interrompê-lo.

Então foi primavera. E, se alguém naquela cidade tivesse prestado atenção, teria percebido entre o primeiro cantar dos pássaros e o vibrar das folhas novas um ruído diferente, um farfalhar ligeiro, roçar de escama ou pano sobre as pedras do chão. E se, tendo prestado atenção, alguém se debruçasse na janela à noite, veria talvez na densa sombra dos cantos, nos negros poços cavados pela lua, o vulto esquivo de uma mulher, a silhueta de outra, e mais uma, escorrendo suas longas saias, esgueirando seus véus, negro sobre o negro avançando na escuridão.
Não iam longe as mulheres, não faziam grande coisa. Na mão branca, sob as vestes, cada uma trazia um graveto, um só. Que depositava aos pés do palácio do rei. Noite após noite, as mulheres daquela cidade, como pássaras, depositavam o seu raminho. E porque era primavera, aconteceu que um ramo ou outro estivesse florido.
A princípio, os servos do rei varreram os raminhos. Depois, vendo que as flores amanheciam frescas no orvalho, e tomados eles mesmos por um certo encantamento primaveril, consideravam aquilo com uma homenagem e deixaram que acumulassem, enfeitando os muros cinzentos. Um ramo entrelaçando a outro crescia lentamente ao redor do palácio o enorme ninho. 
Quentes faziam-se as noites com o chegar do verão. A primeira chama, tão pequena, nem pareceu esquentar mais o ar. É provável que ninguém sequer a tivesse visto, levada ligeira pela mão branca. Uma pequena chama não faz barulho. Nem duas. A segunda veio do outro lado da cidade, e que a viu certamente a confundiu com um vagalume. Se alguém percebeu a terceira, ninguém sabe. No liso veludo da noite, uma vela aqui, um centelha acolá, uma tocha lá longe... vieram chegando, procurando aconchego no ninho. Uma chama pequena não faz barulho, nem duas. Talvez somente um leve estalo, rascar seco de quem lambe com língua áspera. Mas, um estalo aqui, outro acolá, de repente um ronco medonho ergueu-se do ninho, como se em seu miolo acordasse incontida fera.  E roncando, gemendo e retorcendo-se no ar, a imensa labareda subiu pelos muros, entrou pelas janelas, abocanhou as cortinas, abraçou todo o palácio.
Arderam os pergaminhos do rei, o calor secou seus tinteiros. A pena de gancho voltejou por um instante antes de se desfazer em centelhas. O ouro do sinete escorreu em gotas pela mesa. No palácio, em chamas, o rei tentava em vão apagar o incêndio com seu cetro, e já o fogo lhe beijava as vestes.
 Lá longe, seu campo recém conquistado, os homens deitados entre as hastes de cevada viram o horizonte clarear. Mas era do lado do palácio, do lado do poente, e ainda faltava muito para o amanhecer. Então souberam que não haveria outra batalha no dia seguinte. E nem foi preciso esperar o Sol para encontrar o caminho de volta.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Feliz por dentro, bonita por fora


Existem pessoas bonitas por fora e feias por dentro. Para elas, minha mãezinha do coração sempre tem uma classificação interessante: "por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento."  Mas a história de hoje é de alguém que é bonita por fora e por dentro, ou melhor, soube fazer sua beleza por fora, porque fez primeiro por dentro. Bom, se ficou confuso, é melhor ler essa singela história de Bellah Leite Cordeiro, publicada pela Editora Paulinas.

A descoberta da Joaninha
Era uma vez uma joaninha, que se chamava ... Joaninha. Dona Joaninha estava muito feliz, pois havia sido convidada para uma festa na casa da comadre lagartixa. Todos os bichinhos foram convidados e a festa prometia ser uma delícia. Dona Joaninha planejou tudo, queria ir bem bonita à festa, por que assim todo mundo iria querer dançar e conversar com ela! E ela iria se divertir a valer!
Por isso, no dia da festa, se arrumou toda: colocou uma fita na cabeça, uma faixa na cintura, muitas pulseiras nos braços e ainda levou um leque para se abanar.
No caminho, encontrou Dona Formiga na porta de do formigueiro e disse:
- Bom dia Dona Formiga! Não vai à festa da lagartixa?
- Não posso minha amiga. Ontem fizemos mudança e eu não tive tempo de me preparar...
- Não tem problema! Tudo bem! Eu posso emprestar a fita que tenho na cabeça e você vai ficar linda com ela! Quer???
- Mas que legal Dona Joaninha! Você faria isso por mim?
- Claro que sim! Estou muito enfeitada! Posso dividir com você.
Tirou a fita de sua cabeça e a ofereceu para Dona Formiga que, feliz, decidiu ir à festa.
Lá se foram as duas. A formiga radiante com a fita na cabeça.
Mais adiante, encontraram Dona Aranha na sua teia fazendo renda.
- Oi!  Aonde vão as duas tão bonitas?
- À festa da lagartixa! Você não vai?
- Sinto muito! Tive muitas despesas este mês e sem dinheiro não pude me preparar para a festa.
- Não seja por isso! Disse a Joaninha - Estou muito enfeitada! Posso bem emprestar as minhas pulseiras... Vão ficar lindíssimas em você!
Emprestou suas pulseiras, que ficaram lindas em Dona Aranha.
- Que maravilha! Disse a aranha entusiasmada – Sempre tive vontade de usar pulseiras em meus braços! Dona Joaninha, você é legal demais! Sabia?
As três, radiantes de felicidade, seguiram rumo à festa.
Um pouco adiante, encontraram a Taturana. Como sempre, estava morrendo de calor!
- Oi, Dona Taturana! Como vai?
- Mal! Muito mal com esse calor! Sabe que nem tenho disposição para ir à festa da Lagartixa.
- Ora! Mas para isso dá-se um jeito! Disse a Joaninha muito amável – Posso lhe emprestar o meu leque.
E lá se foi também a Taturana, muito alegre, se abanando com o leque, e encantada com a gentileza da amiga.
Logo depois, deram de cara com a Minhoca. Que tinha colocado a cabeça pra fora da terra para tomar um pouco de ar.
- Dona Minhoca, não vai à festa? Disse a turminha ao passar por ela.
- Não dá, sabe? Eu trabalho demais! Quase não dá tempo pra comprar as coisas de que preciso... E, agora, estou sem ter uma boa roupa boa pra vestir! Sinto bastante! Porque sei que a festa vai ser muito boa! Mas, que se há de fazer?...
- Ora, Dona Minhoca – Disse a Joaninha com pena dela – Dá-se um jeito... Posso emprestar a minha faixa e com ela você ficará muito elegante!
E emprestou a sua faixa à Minhoca, que ficou mesmo muito elegante. E seguiu com as amigas para a festa.

Dona Joaninha estava tão feliz com a alegria das outras, que nem reparou ter dado tudo o que ela havia posto para ficar mais bonita. Mas, a alegria de seu coração aparecia nos olhos, no sorriso, e em tudo o que ela dizia! E isso a fez tão linda, mas tão linda que ninguém na festa dançou e se divertiu mais do que ela! 
Foi então que a Joaninha descobriu que para a gente ficar bonita e se divertir não precisa se enfeitar toda. Basta ter o coração bem alegre que a alegria de dentro deixa a gente bonita por fora!

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Orelhas de Mariposa

Ser feliz ou não é uma questão de ponto de vista. Ou melhor, perceber-se feliz ou não depende de cada um! Eu poderia ocupar todo o espaço deste post para as frases que todos conhecemos, do tipo enxergar a metade cheia ou a metade vazia do copo... etc etc. Mas prefiro postar essa história, de autoria de Luísa Aguilar, com ilustrações - sempre surpreendentes e delicadas - de André Neves, de que eu sou fã de carteirinha. A história, um bálsamo para a auto-estima, foi publicada pela Editora Callis.

Orelhas de Mariposa
Mara atem orelhas de abano!
- Mamãe, você acha que sou orelhuda?
- Não, filha. Você tem orelhas de mariposa.
- E como são orelhas de mariposa?
- São orelhas que giram no ar e colorem as coisas feias.
- Mara tem cabelo de vassoura!
- Não, o meu cabelo é como um arbusto recém-podado.
- Mara se veste com toalha de mesa!
- Não, meu vestido é quadriculado para eu jogar xadrez.
- Mara tem a meia furada!
- Não, é que eu tenho um dedo muito curioso.
- Mara usa sapatos velhos!
- Não, são sapatos viajados.
- Mara não tem mochila nem carteira!
- Não, assim posso correr livre como uma gazela.
- Mara só lê livros usados!
- Não, é que mais de mil mãos já os acariciaram.
- Mara tem um estômago que ronca!
- Não, é que tenho uma orquestra na barriga.
- Mara é desengonçada!
- Não, é que fico na ponta dos pés para poder abraçar a Lua.
- Mara, você é orelhuda! Ou vai dizer que tem orelhas de mariposa?
- Não, são grandes mesmo. Mas não me importo com isso !