terça-feira, 24 de setembro de 2013

O tesouro da palavra

Escrever e contar histórias requer um cuidado imenso. Não dá para baixar a guarda, principalmente quando somos extremamente cuidadosos para não jogar palavras ao vento.... Lidamos com as mais diversas reações e sabemos que, exatamente por isso, uma palavra, uma simples palavrinha, pode carregar um rio imenso de emoções. Pois esta semana pude ler o livro A grande fábrica de palavras, de Agnés de Lestrade, com ilustrações de Valéria Docampo, em uma primorosa edição da Aletria Editora. O texto é extremamente sensível e nos oferece a percepção da importância de cada palavra dita, não dita e ainda de cada palavra impossível de ser pronunciada. Tão sensível quanto mágico, em uma linda história de amor, que reproduzo aqui:

A grande fábrica de palavras

Existe um país onde as pessoas quase não falam.  É o país da grande fábrica de palavras. Nesse estranho país, é preciso comprar as palavras e engoli-las para poder pronunciá-las.  A grande fábrica funciona dia e noite. As palavras que saem de suas máquinas são tão variadas quanto à própria linguagem. Existem palavras que custam mais caro do que as outras.
As pessoas falam muito pouco essas palavras, a menos que elas sejam muito ricas. No país da grande fábrica, falar custa caro. Quem não tem dinheiro às vezes cata palavras nas latas de lixo, mas essas palavras são sem graça: têm muito cocozinho de cabrito e pum de coelho.  
Na primavera, podem comprar palavras em promoção e levar para casa um monte de palavras baratas. Mas quase sempre essas palavras não servem para muita coisa: o que fazer, por exemplo, com ventríloquo e filodendro?
Às vezes, é possível encontrar algumas palavras no ar. Quando isso acontece, os meninos correm com suas redes de pegar borboletas. Eles ficam orgulhosos de poder dizer algumas palavras a seus pais, à noite, no jantar.
Hoje, Philéas pegou três palavras em sua rede. Ele não vai usá-la esta noite, porque quer guardá-las para falar a alguém muito especial.  Amanhã, é o aniversário de Cybelle.  Philéas está apaixonado. Ele gostaria muito de dizer a ela “Eu te amo”, mas ele não tem dinheiro o bastante em seu cofrinho. Então, ele vai oferecer a ela as palavreas que encontrou: cereja, poeira, cadeira.
Cybelle mora na rua ao lado. Philéas bate em sua porta. Ele não diz “bom dia, como vai você?”,  pois não tem essas palavras guardadas.  Em vez disso, ele sorri.  Cybelle está com um vestido vermelho cor de cereja, Ela também sorri
Atrás dela, Philéas vê Oscar, seu maior inimigo. Os pais dele são muito ricos, mas não é por isso que Philéas o detesta. Oscar não sorri. Ele fala. Para Cybelle“Eu te amo com todo o meu coração, minha Cybelle. No futuro, tenho certeza, nós vamos nos casar.”

 “Isso deve ter custado uma fortuna”, pensa Philéas. Cybelle sorri sempre, mas Philéas não sabe para quem é seu sorriso. Nos olhos de Oscar há muita segurança.  “Minhas palavras são muito pequenas!”, pensa Philéas.  Ele suspira profundamente e, sobretudo, pensa em todo o amor que tem em seu coração. Em seguida, fala as palavras que pegou em sua rede. As palavras voam para Cybelle: elas são como pedras preciosas.
Cereja...
Poeira...
Cadeira...
Cybelle não sorri mais, apenas olha para Philéas. Ela não tem palavras guardadas. Então chega devagarzinho perto dele e dá um beijo em seu rosto.
Philéas tem apenas uma palavra a mais para dizer. Ele a encontrou,  há muito tempo, em uma lata de lixo, entre centenas de cocozinhos de cabrito e puns de coelho. Ele ama muito essa palavra, por isso, a guardava para um grande dia. Esse dia chegou! Olhando nos olhos de Cybelle, ele diz:

...Mais!