quarta-feira, 27 de julho de 2011

Rinocerontes não comem panquecas

Que delícia contar histórias na Livraria da Vila! Foi lá que contei uma bela história chamada Rinocerontes não comem panquecas. Uma história que fala de coisas muito importantes e que merecem a nossa atenção: a solidão de uma criança por falta de atenção do pais, o nascimento de uma grande amizade e, claro,  uma imaginação fantástica. O mais interessante, no entanto, foi quando eu falei para as crianças “sabem aquele dia em que a gente quer contar uma coisa muito importante, mas os pais da gente estão tão ocupados que não nos dão atenção”?  Olhinhos atentos e indagadores olharam para os pais, como que querendo insinuar “posso falar que isso acontece?” ou então “viu, exatamente como vocês”. É, sei que mães e pais saíram da livraria pensativos ...  A história cumpriu seu papel.

Rinocerontes não comem panquecas
Daisy estava tomando café da manhã quando um rinoceronte grande e roxo entrou na cozinha, Isso mesmo: um rinoceronte grande e roxo! Ele era grande como um ônibus e roxo como um repolho. Ele também era esfomeado. Por isso, deu uma mordida na panqueca de Daisy e foi para o andar de cima.
- Mãe, mãe – chamou Daisy – tem um ...
- Fale com seu pai – disse a mãe – ele pega o bicho e joga pela janela
- Pai, pai – gritou Daisy – é grande, é enorme..
- Ah, Daisy – disse ele – a aranha pode esperar.
- Não é uma aranha, é um rinoceronte grande e roxo !

Mas mesmo assim, ninguém prestou atenção.  E assim o rinoceronte ficou muito à vontade. Daisy o viu perto dos casacos, no jardim, no banheiro. E sempre que tentava contar para seus pais, eles não ouviam. Diziam que estavam ocupados.
E os pais de Daisy ficaram ocupados a semana inteira! Então, ela e o rinoceronte ficaram muito amigos. Sentavam no sofá da sala para conversar, brincavam, preparavam pizzas, e o rinoceronte fazia cócegas em Daisy até ela achar que ia explodir de tanto dar risada.  Mas os pais dela não percebiam nada.

Até o dia em que as panquecas acabaram.
- Quem comeu todas as panquecas? – perguntou o pai.
- Foi o rinoceronte – disse Daisy
- RINOCERONTES NÃO COMEM PANQUECAS – gritou o pai.
- Esse come – explicou a menina. – Ele estava na cozinha...
- Um rinoceronte? – disse a mãe
- Na cozinha? – perguntou o pai
E o pai e a mãe de Daisy começaram a rir bem alto.
- O que virá depois? Um tubarão no banheiro? Um urso polar na geladeira?, caçoavam eles.
- Olha ele ali – disse Daisy. Mas o pai e a mãe estavam tão ocupados dando risada, que nem viram.

Então Daisy ficou muito triste e foi para o quintal. O rinoceronte foi atrás, tentou alegrar a Daisy, fazendo cócegas nela, mas não deu certo.
- Meu pai e minha mãe nunca me escutam – disse ela – parece que eles estão sempre longe... O rinoceronte suspirou profundamente por suas narinas enormes e roxas.
E a Daisy o abraçou – desculpe, rinoceronte, sua casa fica longe daqui, né?
Ele fez que sim e uma lágrima roxa escorreu  por sua bochecha. Pobre rinoceronte.

Na manhã seguinte, os pais de Daisy fizeram uma surpresa. – Vamos ao zoológico – disse a mãe. – Assim você poderá ver um rinoceronte de verdade. Daisy achou a idéia muito boba, pois já havia um rinoceronte perfeitinho sentado no sofá. Mas ela não disse nada, afinal, de que adiantaria. Ninguém prestaria atenção ...
E assim, foram ao zoológico, onde Daisy viu girafas, papagaios, tigres, cobras.  Até que sua mãe disse – vamos para lá, os rinocerontes ficam do outro lado ! E quando chegaram lá, uma surpresa: uma placa dizendo DESAPARECIDO. RINOCERONTE GRANDE E ROXO.  OBSERVAÇÃO: ADORA PANQUECAS !
- Céus – disse a mãe
- Bom, isso explica o sumiço das panquecas – disse o pai.
E correram para casa. Chegando lá, sabe o que encontraram? O maior e o mais roxo rinoceronte da cidade ! – Eu não disse – falou Daisy, rindo de orelha a orelha.
- Vou ligar para ao zoológico – correu a mãe. E o rinoceronte parecia assustado.
- Para o zoológico não – disse Daisy, temos que mandá-lo para a casa dele, que fica bem longe daqui.
- Então vamos nos apressar, pois o avião para bem longe daqui sai em duas horas.
O rinoceronte fez as malas e depois todos empurraram seu bumbum grande e roxo para dentro do carro, para levá-lo para o aeroporto.
- Vou sentir sua falta – disse Daisy, enquanto o rinoceronte embarcava. Então, ele deu um grande abraço roxo nela.

Em casa, sem o amigo, Daisy começou a sentir-se muito sozinha de novo. Com quem ela conversaria agora? Quem a escutaria? E sentou no sofá olhando para o lugar vazio que antes era do rinoceronte. Fechou os olhos imaginando seu amigo naquele lugar do sofá novamente. E... surpresa ! Quando abriu os olhos, seu pai e sua mãe estavam sentados lá, perguntando coisas para ela. Falaram de quando ela conheceu o rinoceronte, ela falou das panquecas, das pizzas, de como ele faziam cócegas nela. Aí eles perguntaram da escola, dos outros amigos, do que mais ela gostava de fazer...
Eles escutaram até que ela já não tinha mais nada a dizer. Foi maravilhoso !
À noite, quando a mãe foi colocar Daisy na cama, perguntou – Tem mais alguma coisa que você queira me dizer?  Daisy olhou para a porta do quarto... – não, é só isso – disse ela sorrindo – boa noite !
É que Daisy já tinha visto na porta do quarto um urso polar cor de rosa. Mas essa história fica para uma outra vez !!

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A criação e a destruição do mundo



Tiramãe Tujá foi quem contou essa história. Ele era um índio guarani, que tinha idade e sabedoria dos grandes jequitibás.  E foi ele que falou da criação e destruição do mundo. E Tiramãe Tujá contou uma história assim:

No início dos tempos, quando não havia nada, havia só Tupã, o Criador, o Senhor de si mesmo. Foi então que Tupã resolveu colocar na Grande Roça (que era o nada) dois irmãos gêmeos: Nhanderequei e Nhanderevutsu, dois curumins para que eles cultivassem o mundo. Deu então a cada um deles um Popyguá, que é uma vara que gtem o poder de criar.
Os dois curumins saíram caminhando com suas varas e aí um deles girou o popyguá e inventou o céu. Os dois acharam aquilo muito engraçado e começaram a rir. O outro também girou sua varinha e fez surgir as estrelas. Parecia uma grande brincadeira e, assim, foram criando, criando, sem parar. Rios, pedras, matas, tatus, baratas. Montanhas, peixes, aves , o vento e as flores. Até que, de tanto inventar, os dois ficaram cansados. Pararam de inventar e ficaram com fome. Então um deles girou a varinha e, da terra, brotaram as mangas, os abacaxis e as bananas. Depois, tiveram vontade de ter um abrigo. Foi uma girada de varinha e apareceram as ocas,
Sobre a criação das mulheres a história não fala nada, mas imagino que elas devem ter sido criadas junto com as fontes, libélulas e borboletas.
E quando os gêmeos se deram conta, o mundo estava todo criado. E eles continuaram achando muito engraçado.
Até que um dia Nhanderaquei riscou com sua vara uma área, fez ali o desenho de todas as coisas que ele havia criado e disse: “Isso tudo é meu”. E Nhanderuvutsu disse “Está bem”.  E afastou-se do irmão e foi criando sozinho outras coisas.
Um dia, o irmão apareceu na sua frente, cheio de criação, e disse: “tudo o que você está criando está errado. As coisas que crio são muito mais bonitas. Chega para lá, que eu quero colocar minhas coisas aqui”.
Nhanderuvutsu afastou-se, dando lugar para o irmão, e ficou morando no interior da mata, enquanto Nahnderaquei ia tomando conta de tudo.
Mas o que eles não sabiam é que Tupã tinha deixado um segredo nos potyguás: se eles não fossem usados com o mesmo peso e a mesma medida pelos dois irmãos, uma das varinhas iria destruir tudo oque já havia sido criado e, ao final, até seu próprio criador.

A história de Tiramãe Tujá acaba aqui. E não se sabe o que aconteceu.
Mas essa é a história da criação do mundo e, provavelmente, a de sua possível destruição.... Cabe a nós escolher o melhor final.  

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Momentos de escolhas

As Notícias e o Mel

Não me canso desta história. Me toca profundamente. A reflexão é sobre o desafio diário das escolhas. Muitas vezes, elas pesam demais, tornando nossos passos infinitamente difíceis. Por isso adoro essa história de Marina Colasanti, chamada "As Notícias e o Mel". Que maravilhosa escolha a desse rei...

As notícias e o Mel

Um dia o rei ficou surdo. Não como uma porta, mas como uma janela de dois batentes.  Ouvia tudo do lado esquerdo. Do lado direito, não ouvia nada. A situação era incômoda, Só atendia aos ministros que sentavam de um lado do trono. Aos outros, nem respondia. E até mesmo de manhã, se o galo cantasse do lado errado, Sua Majestade não acordava e passava o dia inteiro dormindo.
Foi quando mandou chamar o gnomo da floresta. E o gnomo, obediente, apareceu na corte. Veio voando, com suas asinhas. Tão pequeno que, embora todos avisados de sua chegada, quase o confundiram com um inseto qualquer.
Chegou e logo se entendeu com o rei, estabelecendo um trato.  Ficaria morando no ouvido direito e repetiria para dentro – e bem alto – tudo o que ouvisse lá de fora. Tendo asas, e desejando, poderia aproveitar seu parentesco com as abelhas para fabricar no ouvido real alguma cera e um pouco de mel. O trato funcionou às mil maravilhas. Tudo o que o gnomo ouvia, repetia em voz bem alta nas cavernas da orelha, e o eco e a voz do gnomo chegavam até o rei, que passou a entender como antigamente, de lado a lado.
Correu o tempo. Rei e gnomo, assim tão vizinhos, foram ficando cada dia mais íntimos. Um já sabia tudo do outro e era com prazer que o gnomo gritava e era com prazer que o rei ouvia o zumbidinho das asas atarefadas no fabrico da cera e do mel. Uma certa doçura começou a espalhar-se do ouvido real para a cabeça e o rei foi ficando, aos poucos, mais bondoso.
Foi essa a causa da primeira mentira.
O Primeiro Ministro deu uma má notícia no ouvido esquerdo e o gnomo, não querendo entristecer o rei, transmitiu uma boa notícia no ouvido direito.
Foi essa a primeira vez que o rei ouviu duas notícias ao mesmo tempo. Foi essa a primeira vez que o rei escolheu a notícia melhor ...
Houve outras depois.
Sempre que alguma coisa ruim era dita ao rei, o gnomo a transformava em alguma coisa boa. E sempre que o rei ouvia duas notícias, escolhia a melhor delas.
Aos poucos, o rei foi deixando de prestar atenção naquilo que lhe chegava do lado esquerdo, E até mesmo de manhã, se o galo cantasse desse lado e o gnomo não repetisse o canto do galo, Sua Majestade esquecia-se de ouvir e continuava dormindo tranqüilo até ser despertado pelo chamado do amigo.
De um lado o mel escorria. Do outro, chegavam as preocupações, as tristezas, e todos os ventos maus pareciam soprar à esquerda de sua cabeça.
Mas o rei tinha provado o mel e a doçura era agora mais importante do que qualquer notícia. Entregou o trono e a coroa para o Primeiro Ministro. Depois chamou o gnomo para junto da boca e murmurou-lhe baixinho a ordem.
Obediente, o gnomo voou para o lado esquerdo e, aproveitando seu parentesco com as abelhas, fabricou algum mel e abundante cera, com a qual tapou para sempre o ouvido do rei.

domingo, 10 de julho de 2011

O mundo inteiro

Sábado contei histórias na Livraria da Vila. Como sempre, uma experiência maravilhosa. Crianças participantes, pais atentos e felizes. Foi muito legal. Contei três histórias, duas delas de livros lindos: "Rinocerontes não comem panquecas", cuja protagonista, a Daisy (além do rinoceronte, é claro), não tinha a devida atenção de seus pais. E quando falei que isso era muito comum, vi olhinhos arregalados procurando seus pais... sem comentários. Mas o que mais me impressionou foi que a última história, na verdade, era um poema maravilhoso sobre o mundo. E, mesmo que as histórias que contei fosse bem engraçadas, o poema chamou muita atenção de todos. E quando peguei o livro para mostrar, todas as crianças se debruçaram sobre ele. Pois é, quem disse que crianças não gostam de poemas?  Por isso coloco este aqui, e recomendo que todos tenham o livro, pois suas ilustrações são um outro poema. A autoria é de Liz Garton Scanlon, com ilustrações de Marla Frazee. Vale a pena.



O mundo inteiro

A rocha, a pedra, a areia, o seixo
O braço, o ombro, o rosto, o queixo
Um buraco prá cavar, uma concha prá guardar
O mundo inteiro é um vasto lugar.

O mel, a abelha, o favo, o zumbido
O sabugo, a espiga, o milho cozido
O tomate vermelho, a erva de cheiro
O mundo inteiro é um canteiro.

O tronco, o toco, o ramo, o carvalho
Trepar no alto, ficar sobre o galho
Ver a manhã passar neste abrigo
O mundo inteiro é novo e antigo.

A rua, a via, a travessa o caminho
O navio, a jangada, a vela, o barquinho
O ninho, a ave, a nuvem cinzenta
O mundo inteiro sopra e venta.

Corre, tropeça, escorrega, olha a lama!
Vira o balde, derruba, esparrama
A sorte volta em outro momento
O mundo inteiro segue em movimento.

A mesa, o prato, a faca, o saleiro
A barriga faminta, o jantar vem ligeiro
O pão, a farinha, o caldeirão fervente
O mundo inteiro é frio e quente.

O Sol se pondo, a sombra repentina
O fim do dia, o grilo, a cortina
Um fogo leva o frio embora
O mundo inteiro descansa uma hora.

Os avós, os pais, os parentes, os primos
O piano, a harpa o violino
De colo em colo segue o bebê
O mundo inteiro somos eu e você.

Tudo o que se escuta, sente e vê
O mundo inteiro é tudo isso
Tudo isso somos eu e você

A paz, a esperança e o amor verdadeiro
NÓS SOMOS O MUNDO INTEIRO.

terça-feira, 5 de julho de 2011

O verdadeiro Patinho Feio e outras histórias

Foi uma delícia participar do Programa Que História É Essa? da queridíssima Elaine Gomes, no último sábado. Como sempre, foi um bate papo alegre, muita energia e troca de histórias. Mas o objetivo mesmo era falar de Hans Christian Andersen, que eu adoro. Falamos muito sobre ele, o verdadeiro Patinho Feio, segundo o próprio. E as histórias? Bem, não poderia deixar de contar Soldadinho de Chumbo, uma das mais belas histórias de amor que conheço. Também A Roupa Nova do Rei, sempre atualissíma. E a que não poderia faltar, O Patinho Feio que, escrita em 1837, conta dos diferentes e da crueldade praticada por tantos contra outros tantos, com uma abordagem muito clara daquilo que hoje conhecemos como bullying.  Quer conferir? É só clicar aqui. http://www.vimeo.com/25904929 .