quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Muitas vidas dentro de mim

As palavras de Cora Coralina me encantam, me cativam, me desvendam, me revelam. Para mim, esse é um dos mais sensíveis poemas dessa maravilhosa mulher.

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau olhado
acocorada ao pé do borralho
olhando para o fogo
Benze mau olhado
Bota feitiço...
Ogum, orixá
Macumba, terreiro
Ogâ, pai de santo.

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho
Seu cheiro gostoso
D´água e sabão
Rodilha de pano
trouxa de roupa
pedra de anil
Sua coroa verde de São Caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira
pimenta e cebola
quitute bem feito
panela de barro
taipa de lenha
cozinha antiga
toda pretinha
Bem cacheada de picumã
Pedra pontuda,
cumbuca de coco
pisando alho e sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo
bem proletária
bem linguaruda
desabusada, sem preconceito,
de casca grossa
de chinelinha
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira
Enxerto de terra,
meio casmurra
Trabalhadeira
Madrugadeira
Analfabeta
De pé no chão
Bem parideira
Bem criadeira
Seus doze filhos
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida
Minha irmãzinha,
tão desprezada,
tão murmurada ...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim
Na minha vida -
a vida mera das obscuras.

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