
A menina, as formigas e
o boi
Sempre gostei de olhar carreirinha de formiga. Seus movimentos. Suas constâncias. Acho que aprendi muito com elas, que formiga
muito ensina. Aquele vaivém continuado, aquele poder. Suas cargas pesadas,
todas coletivas, intencionadas. Carregos de coisas misteriosas, fanicos,
indistintos. Elas sábias, instruídas, sagazes. De menina, debruçava na terra. Olhava.
Acompanhava. Criava estorvos Cacos cheios d´água, depois dava ponte. Salvava. Repunha.
Malvadezas de crianças. Vezes outras trazia agrados. Punhados de farinha
grossa. Espalhava no carreirinho delas. Recolhiam grã a grã. Vassouravam,
levavam tudo para sua casa subterra.
Eu inventava coisas. Entrava com elas casa
adentro. Belezas. Jardins, mesas, cadeirinhas, redinhas. Crianças formigas
balançando. Brincando de roda, cantando “senhora dona Sancha”. Eu com elas.
Em casa misturava essas coisas. Contava. Afirmava. Tinha entrado na
casinha delas. Os vistos. Recontava. Jurava. Minhas irmãs gritavam. Mãieeee...
Aninha já vem com a inzonas dela... Vem vê ela... Mãe vinha altaneira. Ralhava
forte. Me fazia calar. Tinha medo. Fosse tara, um ramo de loucura, eu sendo
filha de velho doente.
... (As formigas encontram a perna de
um boi e a levaram para o formigueiro) ... Perdi o prazo das horas. Pensei
ajudar. Botar na entrada. Desisti. Deixei tudo por conta delas. Ficar ali de
fiscal, curiosa no que se ia dar. Mãe chamou lá em casa. Surdei. Mãe não tornou
a chamar. Decerto chegou visita....Introduziram tudo. Deram jeito, diligentes
formiguinhas... Eu olhando, boba. Aprendendo, que formiga muito ensina.
Mestras. Um boi para elas, povinho miúdo de Deus, diligente, influído, achado
no carreador, particular delas.