Estou voltando de terras do Goiás. Mais precisamente da
cidade de Goiaz (assim mesmo na grafia antiga), onde nasceu primeiramente
Aninha e, mais tarde, Cora Coralina, nome escolhido por Aninha para autonomear-se
e incorporar a sua vontade infinita de se libertar, de escrever e brilhar para
o mundo com seus escritos e ideais. Fica difícil falar da emoção que senti na Casa
da Ponte, hoje convertida em “Casa de Cora Coralina”. Em que pese toda a infraestrutura
do museu, senti realmente que a casa
onde nasceu - e para onde Cora voltou após 45 anos longe de Goiás - traz uma magia e
emoção inexplicáveis (pelo menos para mim, que me emociono com tudo que se
refere à Cora). Andar por cômodos onde seus poemas nasceram, visitar a cozinha
da doceira maravilhosa que ela foi, imaginar sua vida naquele espaço tão
pequeno para a inquietude e imensidão de emoções sentidas por uma mulher tão
à frente do seu tempo, foi algo muito especial para mim.
Cora Coralina foi uma mulher que, aos 14 anos, decidiu trocar
de nome, começar a escrever e montar um jornal feminista, tudo isso no início dos
anos de 1900, ainda no seio de uma família extremamente conservadora, vivendo em
uma cidade imperial e refém de uma sociedade feroz e patriarcal. Cora foi
discriminada, primeiro por ser uma criança diferente, depois por ser uma
adolescente, como diriam, de maus modos e pouco casadoira, mais tarde banida da família e
da cidade por causa de um amor não aprovado. Na vida fugidia, teve vários filhos e, quando
conseguiu casar-se com o pai de seus filhos, ele morreu. Cora não desistiu, trabalhou intensamente, criou filhos e escreveu. Voltou e escreveu, envelheceu e escreveu. Vida constituída de dificuldades,
desaprovações, solidão e luta. A vida
não lhe foi fácil.
Generosa e solidária, Cora Coralina traz em seus poemas a
compreensão da vida, a percepção e a identificação com os desvalidos e desaprovados
como seus iguais. Densa, forte, universal, feminina e ancestral. Essa é Cora Coralina, nesse poema de arrepiar.
Mulher da roça eu o sou.
Mulher operária, doceira,
Abelha em seu artesanato,
Boa cozinheira, boa lavadeira.
A gleba me transfigura, sou semente, sou pedra.
Pela minha voz cantam todos os pássaros do mundo.
Sou a cigarra cantadeira de um longo estio que se chama Vida.
Sou a formiga incansável, diligente, compondo seus abastos.
Em mim, a planta renasce e floresce, sementeia e sobrevive.
Sou a espiga e o grão fecundo que retornam à terra.
Eu sou o velho paiol e a velha tulha roceira.
Eu sou a terra milenária, eu venho de milênios.
Eu sou a mulher mais antiga do mundo, plantada e fecundada
no ventre escuro da terra.
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