
Cora Coralina foi uma mulher que, aos 14 anos, decidiu trocar
de nome, começar a escrever e montar um jornal feminista, tudo isso no início dos
anos de 1900, ainda no seio de uma família extremamente conservadora, vivendo em
uma cidade imperial e refém de uma sociedade feroz e patriarcal. Cora foi
discriminada, primeiro por ser uma criança diferente, depois por ser uma
adolescente, como diriam, de maus modos e pouco casadoira, mais tarde banida da família e
da cidade por causa de um amor não aprovado. Na vida fugidia, teve vários filhos e, quando
conseguiu casar-se com o pai de seus filhos, ele morreu. Cora não desistiu, trabalhou intensamente, criou filhos e escreveu. Voltou e escreveu, envelheceu e escreveu. Vida constituída de dificuldades,
desaprovações, solidão e luta. A vida
não lhe foi fácil.
Generosa e solidária, Cora Coralina traz em seus poemas a
compreensão da vida, a percepção e a identificação com os desvalidos e desaprovados
como seus iguais. Densa, forte, universal, feminina e ancestral. Essa é Cora Coralina, nesse poema de arrepiar.
Mulher da roça eu o sou.
Mulher operária, doceira,
Abelha em seu artesanato,
Boa cozinheira, boa lavadeira.
A gleba me transfigura, sou semente, sou pedra.
Pela minha voz cantam todos os pássaros do mundo.
Sou a cigarra cantadeira de um longo estio que se chama Vida.
Sou a formiga incansável, diligente, compondo seus abastos.
Em mim, a planta renasce e floresce, sementeia e sobrevive.
Sou a espiga e o grão fecundo que retornam à terra.
Eu sou o velho paiol e a velha tulha roceira.
Eu sou a terra milenária, eu venho de milênios.
Eu sou a mulher mais antiga do mundo, plantada e fecundada
no ventre escuro da terra.
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