quinta-feira, 4 de julho de 2013

Sobre passarinhos e saudades

Há algum tempo tive o privilégio de contar histórias no lançamento do livro Saudades, de Ricardo Viveiros.  Nem preciso dizer da minha emoção em contar uma história de Viveiros, ainda mais com um tema tão difícil. Foi uma experiência linda. Ricardo ficou um tantinho longe de mim, logo atrás, ouvindo minhas palavras em silêncio, enquanto eu juntava às suas palavras as minhas. Ao final, ele me abraçou e escreveu-me coisas de uma lindeza só no livro que me ofereceu.   Hoje, tive outra bela experiência, também a partir de palavras do mesmo autor: encontrei o livro O Poeta e o Passarinho, que contou com o comovente, muito comovente prefácio de Ziraldo e as delicadas ilustrações de Rubens Matuck.  De um misto de candura e dor, Viveiros novamente me ensinou o sentimento de saudades em palavras, coisa que sinto absolutamente todos os dias em pensamento. Como disse Ziraldo, em seu prefácio, “a poesia verdadeira e plena tem que vir do fundo da alma. E quando isso acontece, os versos dos poetas nos atravessam como flechas”.  Pois aqui vão  flechas de Viveiros:

O poeta e o passarinho
Era uma cidade grande, dessas em que dificilmente as pessoas se encontram. Ele vivia em um apartamento, apenas mais uma luz brilhando na imensa paisagem sempre meio escura da metrópole. O homem não era dali e, desde que chegou, tinha esperança de um dia voltar. Criava sonhos, era um poeta.
O tempo foi passando e ele foi ficando. O tempo fingia não passar e o poeta fingia não perceber.
É assim mesmo, só acontece com certas pessoas, que têm esperança, acreditam na felicidade. O poeta, admirado por todos, vivia cercado de pessoas. Mas, na verdade, era muito solitário.
Aquele burburinho ajudava a passar o tempo, sem perceber o tempo passar. Coisa de poeta que tem um sonho na cabeça e acredita na sua realização. Espera que um dia tudo que imagina seja verdade.
E foi assim que, de repente, no parapeito da janela do seu apartamento, caiu um filhote de passarinho. Pequeno, frágil, molhado.
Porque em cidade grande isso acontece, tem pouca árvore segura para se fazer um ninho. Além do que, às vezes, os pais dos passarinhos saem à procura de alimento e são capturados em armadilhas. Ainda por cima, venta e chove nas metrópoles.
O poeta acolheu o filhote de passarinho. Primeiro nas mãos, depois no coração.
Embora bonitinho, ele era bem triste. Os olhinhos sem brilho, as peninhas da cabeça eriçadas e – curioso – parecia sentir frio e medo o tempo todo.
Também pudera! O poeta, que já estava bem mais acostumado com a vida na cidade grande, às vezes também sentia tudo isso.
O tempo foi passando e o poeta continuou vivendo na metrópole, só que agora com o passarinho. Já não era solitário, porque se ocupava em imaginar o que fazer para satisfazer o verdadeiro amiguinho. Opa! Verdadeiro? É isso mesmo, o poeta sentia que esse passarinho era especial, não era um de seus poemas, só mais um sonho.
Juntos, o poeta e o passarinho foram descobrindo, emocionados, várias coisas. Boas, na maior parte das vezes, e – não tem jeito – também algumas ruins. Mas, nestes casos, o poeta tratava de fazer uma espécie de mágica, e tudo ficava bem.
E o passarinho foi mudando. Ficou mais bonito, esperto e cantava muito bem. Até as peninhas da cabeça, como os olhos, ficaram suaves, brilhantes. O passarinho havia crescido, por dentro e por fora.
O poeta, então, começou a ter um novo sonho... Incrível! Este era o maior de todos os sonhos. E você já sabe, poeta acredita que sonho pode ser realidade.
Na cabeça do poeta tudo estava bem claro, fácil de concretizar. E lá foi ele sonhando para asi mesmo e, claro, também para o passarinho. E por que não? Os dois haviam sido feitos um para o outro. Paixão igual só mesmo em poesia.
E o poeta criava o futuro! Ele e o passarinho iriam embora, vier no campo, em uma casa rodeada de árvores – afinal, passarinho e poeta adoram árvores. Lá, em harmonia, iriam cantar e, quem sabe – loucura de poeta – até construir ninhos para evitar mais passarinhos perdidos e solitários nas cidades grandes.
E criar poetas também. O mundo precisa de gente que sonha e gosta de passarinhos...
E se é sonho, que seja o maior!
Enquanto isso, o passarinho aprendia a viver e a gostar do que havia de melhor no mundo. Para o passarinho, agora a metrópole começava a ficar pequena... Seguro, conhecendo tantas novidades, com novos amigos, perninhas firmes para pular, asinhas longas para voar, o passarinho era dono do próprio bico. Parecia sabido demais...
Um dia, desses que para todo mundo sempre é igual – mas para o poeta é diferente –,  o passarinho olhou fixo nos olhos do amigo, deu um voo rápido em volta de sua cabeça e saiu pela janela. Aquela mesma onde, tempos atrás, ele havia caído por um acaso do destino.
O poeta pensou (ou sonhou de novo) que o passarinho só iria dar um passeio. E nem ficou preocupado – agora, o amiguinho já podia voar sem perigo, já conhecia tudo sobre a vida.
Mas como a vida nunca permite que a gente descubra tudo sobre ela –, uma espécie de proteção para continuar sendo o mais belo mistério da humanidade – o poeta estava errado.  E o passarinho também.
O passarinho nunca voltou. O poeta sempre esperou. 

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