Há algum tempo tive o privilégio de contar histórias no
lançamento do livro Saudades, de
Ricardo Viveiros. Nem preciso dizer da
minha emoção em contar uma história de Viveiros, ainda mais com um tema tão
difícil. Foi uma experiência linda. Ricardo ficou um tantinho longe de mim,
logo atrás, ouvindo minhas palavras em silêncio, enquanto eu juntava às suas
palavras as minhas. Ao final, ele me abraçou e escreveu-me coisas de uma
lindeza só no livro que me ofereceu. Hoje, tive outra bela experiência, também a
partir de palavras do mesmo autor: encontrei o livro O Poeta e o Passarinho, que contou com o comovente, muito comovente
prefácio de Ziraldo e as delicadas ilustrações de Rubens Matuck. De um misto de candura e dor, Viveiros
novamente me ensinou o sentimento de saudades em palavras, coisa que sinto
absolutamente todos os dias em pensamento. Como disse Ziraldo, em seu prefácio,
“a poesia verdadeira e plena tem que vir do fundo da alma. E quando isso
acontece, os versos dos poetas nos atravessam como flechas”. Pois aqui vão
flechas de Viveiros:
O poeta e o
passarinho
Era uma cidade grande, dessas em que dificilmente as pessoas
se encontram. Ele vivia em um apartamento, apenas mais uma luz brilhando na
imensa paisagem sempre meio escura da metrópole. O homem não era dali e, desde
que chegou, tinha esperança de um dia voltar. Criava sonhos, era um poeta.
O tempo foi passando e ele foi ficando. O tempo fingia não
passar e o poeta fingia não perceber.
É assim mesmo, só acontece com certas pessoas, que têm esperança,
acreditam na felicidade. O poeta, admirado por todos, vivia cercado de pessoas.
Mas, na verdade, era muito solitário.
Aquele burburinho ajudava a passar o tempo, sem perceber o
tempo passar. Coisa de poeta que tem um sonho na cabeça e acredita na sua
realização. Espera que um dia tudo que imagina seja verdade.
E foi assim que, de repente, no parapeito da janela do seu
apartamento, caiu um filhote de passarinho. Pequeno, frágil, molhado.
Porque em cidade grande isso acontece, tem pouca árvore
segura para se fazer um ninho. Além do que, às vezes, os pais dos passarinhos
saem à procura de alimento e são capturados em armadilhas. Ainda por cima,
venta e chove nas metrópoles.
O poeta acolheu o filhote de passarinho. Primeiro nas mãos, depois
no coração.
Embora bonitinho, ele era bem triste. Os olhinhos sem
brilho, as peninhas da cabeça eriçadas e – curioso – parecia sentir frio e medo
o tempo todo.
Também pudera! O poeta, que já estava bem mais acostumado
com a vida na cidade grande, às vezes também sentia tudo isso.
O tempo foi passando e o poeta continuou vivendo na
metrópole, só que agora com o passarinho. Já não era solitário, porque se
ocupava em imaginar o que fazer para satisfazer o verdadeiro amiguinho. Opa!
Verdadeiro? É isso mesmo, o poeta sentia que esse passarinho era especial, não
era um de seus poemas, só mais um sonho.
Juntos, o poeta e o passarinho foram descobrindo,
emocionados, várias coisas. Boas, na maior parte das vezes, e – não tem jeito –
também algumas ruins. Mas, nestes casos, o poeta tratava de fazer uma espécie
de mágica, e tudo ficava bem.
E o passarinho foi mudando. Ficou mais bonito, esperto e
cantava muito bem. Até as peninhas da cabeça, como os olhos, ficaram suaves,
brilhantes. O passarinho havia crescido, por dentro e por fora.
O poeta, então, começou a ter um novo sonho... Incrível!
Este era o maior de todos os sonhos. E você já sabe, poeta acredita que sonho
pode ser realidade.
Na cabeça do poeta tudo estava bem claro, fácil de
concretizar. E lá foi ele sonhando para asi mesmo e, claro, também para o
passarinho. E por que não? Os dois haviam sido feitos um para o outro. Paixão
igual só mesmo em poesia.
E o poeta criava o futuro! Ele e o passarinho iriam embora,
vier no campo, em uma casa rodeada de árvores – afinal, passarinho e poeta
adoram árvores. Lá, em harmonia, iriam cantar e, quem sabe – loucura de poeta –
até construir ninhos para evitar mais passarinhos perdidos e solitários nas
cidades grandes.
E criar poetas também. O mundo precisa de gente que sonha e
gosta de passarinhos...
E se é sonho, que seja o maior!
Enquanto isso, o passarinho aprendia a viver e a gostar do que
havia de melhor no mundo. Para o passarinho, agora a metrópole começava a ficar
pequena... Seguro, conhecendo tantas novidades, com novos amigos, perninhas
firmes para pular, asinhas longas para voar, o passarinho era dono do próprio
bico. Parecia sabido demais...
Um dia, desses que para todo mundo sempre é igual – mas para
o poeta é diferente –, o passarinho olhou
fixo nos olhos do amigo, deu um voo rápido em volta de sua cabeça e saiu pela
janela. Aquela mesma onde, tempos atrás, ele havia caído por um acaso do
destino.
O poeta pensou (ou sonhou de novo) que o passarinho só iria
dar um passeio. E nem ficou preocupado – agora, o amiguinho já podia voar sem
perigo, já conhecia tudo sobre a vida.
Mas como a vida nunca permite que a gente descubra tudo
sobre ela –, uma espécie de proteção para continuar sendo o mais belo mistério
da humanidade – o poeta estava errado. E
o passarinho também.
O passarinho nunca voltou. O poeta sempre esperou.
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