quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Dia Internacional do idoso

Neste primeiro dia de outubro comemorou-se o Dia Internacional do Idoso. E quando pensamos no idoso neste País, apesar de grandes e importantes iniciativas por parte de diversas instituições, a primeira coisa que nos vem à cabeça são o abandono, a falta de políticas públicas para essa faixa etária, principalmente na área da saúde, a falta de perspectivas, etc e etc. Mas para muitos e, acredito, principalmente para um contador de histórias, além desse cenário também vem a força da oralidade, a magia da ancestralidade, a imagem daquele que já viveu muito e nos traz maravilhosas histórias para contar. Avôs e avós, velhos narradores de outros tempos tornam-se entidades detentoras do conhecimento ancestral tão necessário à nossa doente sociedade contemporânea. Bom, poderia ficar horas aqui escrevendo sobre como vejo a importância do resgate dessa relação com os idosos, mas prefiro me expressar por meio de histórias. Então, aqui vai uma já conhecida e muito bela história.

GUILHERME AUGUSTO ARAÚJO FERNANDES

Era uma vez um menino chamado Guilherme Augusto Araújo Fernandes e ele nem era tão velho assim.
Sua casa era ao lado de um asilo de velhos e ele conhecia todo mundo que vivia lá.
Ele gostava da senhora Silvano, que tocava piano.
Ele ouvia as histórias arrepiantes, que lhe contava o Sr. Cervantes.
Ele brincava com o Sr. Valdemar, que adorava remar.
Ajudava a senhora Mandala, que andava com uma bengala.
E admirava o Sr. Possante, que tinha voz de gigante.
Mas a pessoa que ele mais gostava era a senhora Antônia Maria Diniz Cordeiro, porque ela também tinha quatro nomes, como ele. Ele a chamava de Dona Antônia e contava-lhe todos os seus segredos.
Um dia, Guilherme Augusto escutou sua mãe e seu pai conversando sobre Dona Antônia.
- Coitada da velhinha - disse sua mãe.
- Por que ela é coitada? - perguntou Guilherme Augusto.
- Porque ela perdeu a memória - respondeu seu pai.
- Também, não é para menos – disse a mãe. - ela já tem noventa e seis anos.
- O que é memória? - perguntou Guilherme Augusto.
Ele vivia fazendo perguntas.
- É algo de que você se lembre - respondeu o pai.
Mas Guilherme Augusto queria saber mais; então, ele procurou a Sra. Silvano que tocava piano.
- O que é memória? - perguntou.
- Algo quente, meu filho, algo quente.
Ele procurou o Sr. Cervantes, que lhe contava histórias arrepiantes.
- O que é memória? - perguntou.
- Algo bem antigo, meu caro, algo bem antigo.
Ele procurou o Sr. Valdemar, que adorava remar.
- O que é memória? - perguntou.
- Algo que o faz chorar, meu menino, algo que o faz chorar.
Ele procurou a senhora Mandala, que andava com uma bengala.
- O que é memória? - perguntou.
- Algo que o faz rir, meu querido, algo que o faz rir.
Ele procurou o Sr. Possante, que tinha voz de gigante.
- O que é memória? - perguntou.
- Algo que vale ouro, meu jovem, algo que vale ouro.
Então Guilherme Augusto voltou para casa, para procurar memórias para Dona Antônia, já que ela havia perdido as suas.
Ele procurou uma antiga caixa de sapatos cheia de conchas, guardadas há muito tempo, e colocou-as com cuidado numa cesta.
Ele achou a marionete, que sempre fizera todo mundo rir, e colocou-a na cesta também.
Ele lembrou-se, com tristeza, da medalha que seu avô lhe tinha dado e colocou-a delicadamente ao lado das conchas.
Depois achou sua bola de futebol, que para ele valia ouro; por fim, entrou no galinheiro e pegou um ovo fresquinho, ainda quente, debaixo da galinha.
Aí, Guilherme Augusto foi visitar Dona Antônia e deu a ela, uma por uma, cada coisa de sua cesta.
"Que criança adorável que me traz essas coisas maravilhosas", pensou Dona Antônia.
E então ela começou a se lembrar.
Ela segurou o ovo ainda quente e contou a Guilherme Augusto sobre um ovinho azul, todo pintado, que havia encontrado uma vez, dentro de um ninho, no jardim da casa de sua tia.
Ela encostou uma das conchas em seu ouvido e lembrou da vez que tinha ido à praia de bonde, há muito tempo, e como sentira calor com suas botas de amarrar.
Ela pegou a medalha e lembrou, com tristeza, de seu irmão mais velho, que havia ido para guerra e que nunca voltou.
Ela sorriu para a marionete e lembrou da vez em que mostrara uma para sua irmãzinha, que rira às gargalhadas, com a boca cheia de mingau.
Ela jogou a bola de futebol para Guilherme Augusto e lembrou do dia em que se conheceram e de todos os segredos que haviam compartilhado.
E os dois sorriram e sorriram, pois toda a memória perdida de Dona Antônia tinha sido encontrada, por um menino que nem era tão velho assim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adoro esta história. Beijo Vanessinha minha linda. Danilo Furlan