
O esconderijo das
vontades
Era uma vez uma cidade
onde moravam muitas vontades. Elas nasciam em um lugar escuro e silencioso e
viviam por meses, anos, dentro das pessoas. Mas nem sempre as pessoas se davam
conta de que havia uma vontade vivendo em algum canto de seu coração ou em
alguma gaveta de seu pensamento. Quando a vontade percebia que não seria mesmo
descoberta, ela deixava o esconderijo e voava para outro lugar do Universo. Ou,
então, escolhia outra pessoa para nela se esconder. E, de preferência, uma
pessoa que não estivesse tão ocupada assim e gostasse de olhar para dentro de
si.
Ah, e como as vontades eram sonhadoras! Sonhavam com a luz, com uma vida
ruidosa. Queriam ser descobertas e crescer, crescer, só para conseguir saltar
de seus esconderijos.
Nessa cidade, o padeiro
sentia vontade de fazer pães mais macios e apetitosos.
A costureira sentia
vontade de estudar moda em Paris.
O piloto de avião sentia vontade de ser
astronauta.
A telefonista sentia vontade de ser locutora de rádio.
O pianista
sentia vontade de tocar com uma orquestra.
A bióloga sentia vontade de morar na
Amazônia.
Os moradores da cidade
gostavam de suas profissões, mas sentiam vontade de fazer algo mais. Não havia
graça em só fazer o que sabiam. Eles queriam mais, muito mais.
E, todos os
dias, o Sol se levantava e animava as vontades a sair de seus esconderijos.
E,
todas as noites, a Lua se levantava e convidava as vontades a sair de seus
esconderijos.
Acontece que, mesmo
escondidas lá dentro, as vontades ouviam chamar seus nomes.
Elas queriam sair
para brincar e descobrir o mundo.
Conforme o tempo foi passando, as pessoas mais
corajosas embalavam suas vontades e lhes contava que o mundo era um lugar bom.
Conversavam um pouquinho por dia com elas.
As pessoas corajosas davam tanta
atenção para as suas vontades, que elas cresciam fortes e barulhentas.
Acontecia o que devia mesmo
acontecer. As vontades já não cabiam nos esconderijos. Nada mais poderia
contê-las.
Era chegado o momento.
As vontades fechavam os olhos, contavam até
três e saltavam...
E, assim, o padeiro
fazia pães mais macios e apetitosos.
A costureira virava
modista.
O piloto de avião
virava astronauta.
A telefonista virava
locutora de rádio.
O pianista tocava em
uma orquestra.
A bióloga morava na
Amazônia.
Sim, era uma cidade
onde as vontades adoravam crescer dentro das pessoas corajosas.
2 comentários:
Adélia Prado dizia assim "Não quero faca nem queijo, eu quero a fome".Linda história que enche de esperança nosso cotidiano e faz surgir um certo brilho nos olhos.
Sim, Giovanna. Nada como Adélia Prado como uma metáfora para nossos desejos. Obrigada.
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