segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O galo ciscador

Esta é a história do galo ciscador, que descobriu o quanto é bom ciscar e, por isso, teve que ir cantar em outra freguesia.  Mas brigou pelo direito de fazer o que gostava, o que queria. E quantas vezes isso não acontece?  Pois é, mas dá para reagir. E é aí que a história fica boa.  O autor é Túlio Bulcão.

O Galo Ciscador

Era uma vez um galo muito lindo chamado Chico. Vivia num galinheiro, desses de antigamente, com lago, poleiro e muita água corrente. O galo tinha uma bela crista vermelha caída para o lado. Penas brilhantes e coloridas.
Chico era de uma simplicidade cativante, gostava muito de cantar. Só que não cantava cocoricó, cocoricó, como todos os galos. Ele compunha de tudo um pouco e cantava acompanhado de violão. Valsa, marchinha, tango, roque, bolero, baião, xote, maxixe, xaxado. Mas seu forte mesmo era choro samba-canção.
Todos gostavam de Chico: patos, patas, marrecos, marrecas, perus, peras, galos, galinhas, pintos, gansos, gansas... Todos.
Até os outros animais que se aproximavam do galinheiro: cabrito, cabrita, cavalo, égua, boi, vaca, bezerro, porco, porca, carneiro, ovelha, pombo, pomba... Todos.
Mesmo os passarinhos vinham todo dia, todo dia, todo dia, ouvi-lo cantar: bem-te-vi, sanhaço, rolinha, sabiá, joão-de-barro, pardal, tico-tico, araponga, andorinha, patativa, bicudo, cardeal... Todos.
E Chico não gostava de viver preso, obrigado a comer milho e ração. E, certo dia... Descobriu ! Podia ciscar. Ciscar?!?!?! É, escavava e afofava a terra, com suas unhas à procura de outros alimentos. Aranhas, besouros, minhocas, grilos, joaninhas, pulgões, lesmas, lacraias, lagartas, raízes, sementes, brotinhos e tudo mais o que encontrava. Logo ficou sabendo: eram deliciosos.
No começo, todos estranharam o cisca-cisca do Chico. Teve muito bate-boca e muito bate-bico. Mas, aos poucos, foram aprendendo a ciscar e gostando muito. Virou moda ! Era todo mundo lá no cisca, que cisca, que cisca, que cisca.
O dono do galinheiro não gostou. Eita homem ranzinza, sempre resmungando. Implicou com o Chico e com todos os seus amigos... “Este galinheiro é meu !”, gritava o homem ranzinza, sempre brigando, berrando, gritando.
E proibiu tudo:   
Artigo primeiro – fica proibido cantar.
Artigo sétimo – fica proibido tocar.
Artigo décimo – fica proibido ciscar.
Chico ficou triste, aborrecido. Mas não desistiu. Resolveu dar um tempo. Ir embora do galinheiro, cantar em outro terreiro.
Trocava de galinheiro, de galinheiro,.. E tocava violão, cantava a canção e compunha. Nas horas vagas, ciscava, ciscava, ciscava...
Pouco a pouco, em todos os galinheiros, todo mundo percebia o direito de tocar o instrumento que queria. Pouco a pouco, a alegria de cantar a música todo dia. E, finalmente, o prazer de ciscar.
E o homem ranzinza, que pensava ser o dono, teve de engolir toda a batucada, toda a cantoria, toda a ciscação.
E foi para bem longe, de bico calado.

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