Seu soninho, cadê você?
Os animais acabaram de almoçar e estão prontos para tirar a soneca da tarde. Todos menos Jacó, um jacarezinho que não pára quieto. Até parece que ele sentou no formigueiro, mas o caso é outro: Jacó acha que seu Soninho esqueceu dele, e resolve ir procurá-lo. Acontece que ele sai aos berros, pela floresta afora, e impede seus amigos, um por um, de dormir.
Até que os bichos entendem a dificuldade pela qual está passando Jacó, e lhe explicam que para dormir não é preciso gritar pelo sono. Eles então cantam uma canção de ninar, que faz Jacó adormecer rapidinho.
Esta é a sinopse da história que contei num sábado desses no Hospital Infantil Sabará, onde sou voluntária. É sempre uma experiência gratificante e absolutamente enriquecedora contar histórias para crianças em hospital. Eu poderia falar longamente sobre isso aqui, mas gostaria de contar uma única experiência.
Entrei com esse livro, junto com minha amiga Elaine, minha treinadora da Associação Viva e Deixe Viver, no quarto de um lindo menino, que aparentemente tinha uma doença grave. O nome dele, da avó ou da doença não vem ao caso aqui. Mas o fato é que ele parecia ter muita dor. A avó, com aquele coração enorme que só as avós têm, e com aquela vontade de fazer qualquer coisa para que o seu bebê parasse de sentir dor, correu para ele e disse sorrindo, certa de que poderíamos trazer alguma espécie de bálsamo para aquele momento: "veja querido, elas são contadoras de histórias, vamos ouvir, vai ser bom".
O menininho abriu os olhinhos e concordou. Mal conseguiu sorrir mas acenou com a cabeça. Senti que talvez ele preferisse dormir, mas acredito também que a avó tenha dito duas expressões mágicas que devem ter chamado a atenção dele naquele momento "contar histórias" e "vai ser bom". Então, percebi que ele não conseguiria abrir os olhos e o livro "Seu soninho, cadê você", seria a melhor opção naquele momento. Cheguei perto dele e disse bem baixinho que iríamos buscar o seu soninho para ele - juro que eu torci para que ele dormisse mesmo, para parar de doer...
Abri o livro e comecei a contar bem baixinho, quase sussurrando, em pé mesmo, do ladinho dele. Então, a avó carinhosamente trouxe uma cadeira ali onde eu estava para que eu me sentasse. Sorri para ela e sentei, fiquei então com meu rosto mais perto do rostinho daquela criança que deveria ter talvez cinco ou seis anos. Com a proximidade, o menininho abriu os olhos e eu me animei ainda mais para, mesmo contando bem baixinho, mostrar as páginas coloridas e interativas do livro.
Qual não foi nossa surpresa quando, depois de umas três páginas, ele sorriu e disse "olha o macaco na árvore". Sorrimos nós três - ele tinha saído daquela terrível sensação de dor e entrado na história - sorriu e viu o macaco na árvore. Então, cheguei no pedaço da história em que a floresta inteira canta para Jacó, o pequeno jacaré que vivia a angústia de procurar seu soninho. Comecei a cantar a musiquinha do livro, como uma cantiga de ninar, bem baixinho e suavemente. Então a avó e minha amiga Elaine começaram a cantar junto comigo, cada qual ainda mais suavemente... Éramos nós três juntas, na angústia de tentar apaziguar a dor do menino pela cantiga de ninar, pela história. "...nana, Jacó, é hora de descansar..." O momento foi mágico.
Ao final, o menino sorriu e fechou os olhinhos. Não consegui dizer nada nem para ele e nem para a avó. Não precisava, o que tínhamos que fazer havíamos feito. E com o maior amor do mundo. Jamais me esquecerei dessa experiência. Vou me lembrar do rostinho do menino e do sorriso da avó para sempre. Que bom que tive essa oportunidade. Naquele sábado chuvoso, o Sol entrou para mim, ali, naquele quarto.
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