Descobri,
emocionada, a prosa de Cora Coralina. Debrucei-me
sobre seus livros trazidos da Casa da Ponte, que visitei em Goiás Velho, certa
do reencontro sempre prazeroso com sua poesia.
Surpreendeu-me, na verdade, a sua prosa, rica, vigorosa e crítica. Para quem já havia lido a poesia de Cora em
forma de versos, foi uma grande emoção ler sua poesia sem rimas e métricas.
Pois assim é a sua prosa – pura poesia. Descobri
Cora Coralina como uma contadora de histórias (“estórias, dizia ela, pois não
sou historiadora e nem memorialista, conto apenas e sempre as estórias do cotidiano,
as verdades e mentiras”). Numa narrativa
de puro encantamento, ela nos oferece contos e causos de sua cidade e das
gentes de Goiás, coisas dos acontecidos na Casa da Ponte, onde nasceu e morreu,
coisas do ser humano e de suas vidas doces ou difíceis. Cora Coralina nos conta,
com delicadeza – ora com fina ironia e até
tristeza – mas sempre lindamente, as histórias de seu tempo. No texto abaixo, um trecho de A menina, as formigas e o boi, publicado
postumamente no livro O Tesouro da Casa Velha.
A menina, as formigas e
o boi
Sempre gostei de olhar carreirinha de formiga. Seus movimentos. Suas constâncias. Acho que aprendi muito com elas, que formiga
muito ensina. Aquele vaivém continuado, aquele poder. Suas cargas pesadas,
todas coletivas, intencionadas. Carregos de coisas misteriosas, fanicos,
indistintos. Elas sábias, instruídas, sagazes. De menina, debruçava na terra. Olhava.
Acompanhava. Criava estorvos Cacos cheios d´água, depois dava ponte. Salvava. Repunha.
Malvadezas de crianças. Vezes outras trazia agrados. Punhados de farinha
grossa. Espalhava no carreirinho delas. Recolhiam grã a grã. Vassouravam,
levavam tudo para sua casa subterra.
Eu inventava coisas. Entrava com elas casa
adentro. Belezas. Jardins, mesas, cadeirinhas, redinhas. Crianças formigas
balançando. Brincando de roda, cantando “senhora dona Sancha”. Eu com elas.
Em casa misturava essas coisas. Contava. Afirmava. Tinha entrado na
casinha delas. Os vistos. Recontava. Jurava. Minhas irmãs gritavam. Mãieeee...
Aninha já vem com a inzonas dela... Vem vê ela... Mãe vinha altaneira. Ralhava
forte. Me fazia calar. Tinha medo. Fosse tara, um ramo de loucura, eu sendo
filha de velho doente.
... (As formigas encontram a perna de
um boi e a levaram para o formigueiro) ... Perdi o prazo das horas. Pensei
ajudar. Botar na entrada. Desisti. Deixei tudo por conta delas. Ficar ali de
fiscal, curiosa no que se ia dar. Mãe chamou lá em casa. Surdei. Mãe não tornou
a chamar. Decerto chegou visita....Introduziram tudo. Deram jeito, diligentes
formiguinhas... Eu olhando, boba. Aprendendo, que formiga muito ensina.
Mestras. Um boi para elas, povinho miúdo de Deus, diligente, influído, achado
no carreador, particular delas.
2 comentários:
Olá , passei pela net encontrei o seu blog e o achei muito bom,
li algumas coisas folhe-ei algumas postagens,
gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
quando encontro bons blogs sempre fico mais um pouco meu nome é: António Batalha.
Que haja muita felicidade e saúde em toda a sua casa.
PS. Se desejar seguir o meu blog,Peregrino E Servo,
fique á vontade,repare siga só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.
Obrigada, Antônio. A troca é algo mágico.
Postar um comentário